sábado, 1 de fevereiro de 2014

Opinião: "O Ano da Morte de Ricardo Reis" de José Saramago [Caminho]

Adorei este livro :)

José Saramago tem uma escrita irreverente e ao mesmo tempo cativadora, que nos faz embrenhar neste enredo com muito prazer.
Dos vários heterónimos de Fernando Pessoa, o Ricardo Reis sempre foi o meu preferido. 
O motivo dessa preferência deve-se do pregar de Ricardo Reis de duas filosofias que parecem ser contraditórias (mas não o são), como o estoicismo e o epicurismo alicerçadas numa sabedoria existencialista.

Como é-vos possível depreender este livro está cheio, de grandes pensamentos e narrativas existencialistas.

Gostei da forma, como José Saramago contempla a ligação/diálogo ao longo da narrativa entre Fernando Pessoa e Ricardo Reis. Adorei também, a dupla relação amorosa de Ricardo Reis por Lídia e Marcenda. 

Confesso-vos que gostaria que Ricardo Reis vivesse feliz com Lídia (relembro-vos o célebre poema dedicado à Lídia):

Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio



Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio. 
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos 
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas. 

                   (Enlacemos as mãos.) 


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida 
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa, 
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado, 
                   Mais longe que os deuses. 

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos. 
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio. 
Mais vale saber passar silenciosamente 
                   E sem desassosegos grandes. 

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz, 
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos, 
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria, 
                   E sempre iria ter ao mar. 

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos, 
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias, 
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro 
                   Ouvindo correr o rio e vendo-o. 

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as 
No colo, e que o seu perfume suavize o momento — 
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada, 
                   Pagãos inocentes da decadência. 

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois 
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova, 
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos 
                   Nem fomos mais do que crianças. 

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio, 
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti. 
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio, 
                   Pagã triste e com flores no regaço. 

Ricardo Reis, in "Odes" 
Heterónimo de Fernando Pessoa


Contudo o fim desta narrativa, tem toda a razão de ser, pois no fim de contas, Fernando Pessoa e Ricardo Reis são um só.
Meus queridos amigos, deixo-vos com alguns excertos que podeis encontrar nesta fantástica narrativa (José Saramago, 2011):

"A mais inútil coisa deste mundo é o arrependimento, em geral quem se diz arrependido quer apenas conquistar o perdão e esquecimento, no fundo, cada um de nós continua a prezar as suas culpas,"

"Exactamente, meu caro Reis, vida e morte é tudo um,"

"Não há sossego no mundo, morte não é sossego, Não há sossego no mundo, nem para os mortos nem para os vivos, Então onde está a diferença entre uns e outros, A diferença é uma só, os vivos ainda têm tempo, mas o mesmo tempo lhe vai acabando, para dizerem a palavra, para fazerem o gesto, Que gesto, que palavra, Não sei, morre-se de a não ter dito, morre-se de não ter feito, é disso que se morre, não de doença, e é por isso que a um morto custa tanto aceitar a sua morte,"

2 comentários:

  1. Estou agora a ler o “Memorial do Convento” de José Saramago e à parte de ao início ter alguma dificuldade em acompanhar a escrita de José Saramago, adoro todo o enredo que ele construiu.

    E dos três heterónimos principais de Pessoa, Ricardo Reis também é o meu preferido! Talvez esta seja uma leitura em ter em consideração.
    Boas leituras!

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  2. Olá Ana Santos,

    Este livro, é melhor do que o "Memorial do Convento".

    Boas leituras também para si e muito obrigada pelo seu comentário :)

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