Adorei este livro :)
José Saramago tem uma escrita irreverente e ao mesmo tempo cativadora, que nos faz embrenhar neste enredo com muito prazer.
Dos vários heterónimos de Fernando Pessoa, o Ricardo Reis sempre foi o meu preferido.
O motivo dessa preferência deve-se do pregar de Ricardo Reis de duas filosofias que parecem ser contraditórias (mas não o são), como o estoicismo e o epicurismo alicerçadas numa sabedoria existencialista.
Como é-vos possível depreender este livro está cheio, de grandes pensamentos e narrativas existencialistas.
Gostei da forma, como José Saramago contempla a ligação/diálogo ao longo da narrativa entre Fernando Pessoa e Ricardo Reis. Adorei também, a dupla relação amorosa de Ricardo Reis por Lídia e Marcenda.
Confesso-vos que gostaria que Ricardo Reis vivesse feliz com Lídia (relembro-vos o célebre poema dedicado à Lídia):
Vem Sentar-te Comigo, Lídia, à Beira do Rio
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.
Ricardo Reis, in "Odes"
Heterónimo de Fernando Pessoa
Contudo o fim desta narrativa, tem toda a razão de ser, pois no fim de contas, Fernando Pessoa e Ricardo Reis são um só.
Meus queridos amigos, deixo-vos com alguns excertos que podeis encontrar nesta fantástica narrativa (José Saramago, 2011):
"A mais inútil coisa deste mundo é o arrependimento, em geral quem se diz arrependido quer apenas conquistar o perdão e esquecimento, no fundo, cada um de nós continua a prezar as suas culpas,"
"Exactamente, meu caro Reis, vida e morte é tudo um,"
"Não há sossego no mundo, morte não é sossego, Não há sossego no mundo, nem para os mortos nem para os vivos, Então onde está a diferença entre uns e outros, A diferença é uma só, os vivos ainda têm tempo, mas o mesmo tempo lhe vai acabando, para dizerem a palavra, para fazerem o gesto, Que gesto, que palavra, Não sei, morre-se de a não ter dito, morre-se de não ter feito, é disso que se morre, não de doença, e é por isso que a um morto custa tanto aceitar a sua morte,"
Estou agora a ler o “Memorial do Convento” de José Saramago e à parte de ao início ter alguma dificuldade em acompanhar a escrita de José Saramago, adoro todo o enredo que ele construiu.
ResponderEliminarE dos três heterónimos principais de Pessoa, Ricardo Reis também é o meu preferido! Talvez esta seja uma leitura em ter em consideração.
Boas leituras!
Olá Ana Santos,
ResponderEliminarEste livro, é melhor do que o "Memorial do Convento".
Boas leituras também para si e muito obrigada pelo seu comentário :)