Entrevista, a Ana Terceiro e a Paulo Rosa, autores do livro “O Dom de Dinis” [Alphabetum, Edições Literárias]
Esta é uma história,
que espelha o amor e a luta incessante dos pais do Dinis, face à doença do
mesmo. Espero que vocês, apreciem esta entrevista tal como eu, e divulguem-na.
1.Conte-nos,
a vossa história.
Esta é a história do Dinis: uma criança de aparência e
um sorriso fantástico que escondem um temível e aterrorizador diagnóstico.
Nasceu às 18h27 do dia 20 de Fevereiro de 2008, não tendo havido intercorrências
na gestação até as 34 semanas, quando foi diagnosticado atraso de crescimento
intra-uterino, e mais tarde oligoamnios. O nascimento ocorreu por cesariana,
por sofrimento fetal agudo, tendo nascido com um peso de 1750 gramas e
perímetro cefálico de 31,5cm. Apresentou boa adaptação à vida.
O Dinis tem agora quatro anos
de idade e possui diagnóstico de Leucoencefalopatia, calcificações e quistos,
doença genética complexa e rara, não sendo conhecido outro caso em Portugal,
com grave comprometimento do sistema nervoso central e retina, com repercussões
severas em termos de estrutura e funcionalidade.
1.1.Como Chegámos até ao diagnóstico?
Com dez meses de idade, por haver dúvida sobre a
adequação do desenvolvimento neuropsicomotor, realizou uma ecografia
trans-fontanelar e posteriormente uma ressonância magnética crânio-encefálica
que evidenciaram inúmeras lesões supra e infra-tentoriais, incluindo
calcificações, dispersas por todo encéfalo e mais evidentes do lado direito
tendo sido excluída uma causa infecciosa. O estudo oftalmológico evidenciou
sinais de retinopatia vascular grave e calcificações. A raridade da patologia
identificada, associada à gravidade das manifestações, levou-nos a nós pais a
uma procura exaustiva dos recursos médicos existentes em Portugal e no
estrangeiro, de modo a conseguirmos proporcionar-lhe os melhores cuidados.
1.2.O que é a Leucoencefalopatia com calcificações e
quistos cerebrais?
Leucoencefalopatia com calcificações e quistos
cerebrais, com actual tendência a ser designada por CRMCC (cerebroretinal
microangiopathy with calcifications and cysts) pertence a um grupo de
desordens que afectam a substância branca cerebral focalizando-se as
componentes essenciais, as lesões do sistema nervoso central e retina.
É uma patologia rara cujos contornos nosológicos e
nomenclatura não estão ainda afixados e que se caracteriza pelas lesões supra e
infra-tentoriais incluindo calcificações em toda a zona do cérebro. O Dinis
está inserido actualmente em dois estudos de investigação genética, a
decorrerem em Helsínquia (Tarja Linnankivi) e em Manchester (Prof. Yanick
Crow).
Embora as lesões estejam patentes em todo o seu
cérebro, estas são mais exuberantes na parte direita do mesmo e junto ao globo
ocular direito.
1.3.Quais as possíveis consequências da
LCC ou CRMCC?
Estudos sugerem tratar-se de uma desordem
microangiopática. Pode estar relacionada com telangiectasias e exudações
bilaterais das retinas (doença de Coats). Alguns desses indivíduos apresentam
características peculiares associadas, como atraso do crescimento intrauterino,
cabelos escassos, unhas displásicas, anormalidades ósseas, pancitopenia e más
formações. Os achados mais comuns entre esses indivíduos incluem epilepsia
parcial, hemiparesia, ataxia, distonia, atraso cognitivo, anemia, pobre
crescimento, tremores, atraso cognitivo, incontinência de fezes e urina,
problemas cardíacos, sangramento de órgãos internos, nomeadamente nos
intestinos, coração, rins, fígado (falência de órgãos), reduzida esperança
média de vida.
Em alguns casos, quistos mais volumosos ocasionaram
aumento da pressão intracraniana sendo necessária a colocação da válvula
encéfalo-peritoneal (shunt). Em oito pacientes que foram seguidos por mais de
dez anos, a doença progrediu para quadro severo de espasticidade, sintomas
bulbares e anartria.
1.4.Primeiras medidas em termos de estimulação motora
e cognitiva:
Aos 15 meses foi referenciado pela educadora da creche
à equipa de Intervenção Precoce local, nomeadamente para estimulação da área da
motricidade. Aos 16 meses, iniciou a intervenção com uma educadora de ensino
especial e com uma Fisioterapeuta com frequência trissemestral e que se mantém
até hoje.
Concluindo:
Em conclusão, o Dinis, é uma criança afetada por uma
doença genética complexa e rara não se conhecendo outros casos em Portugal, que
afetou de forma grave e permanente o seu sistema central e retina, com
repercussão severas em termos de estrutura e funcionalidade e que conduz a uma
incapacidade significativa.
Embora o Dinis tenha evoluído em termos clínicos e neurológicos,
predominou a hipertonia axial e do tronco e perturbação do equilíbrio. O
desenvolvimento psicomotor está nos limites inferiores do esperado para a
idade.
As primeiras consequências registadas foram o atraso
de crescimento intra-uterino, percentil corpo versus crânio discrepante (5-75),
macrocefalia, um acentuado atraso motor, elevada hipertonia. O Dinis tem ainda
uma acentuada descoordenação motora que se agrava pela reduzida força e
equilíbrio muscular. Em termos oculares o Dinis apenas tem 25% de visão
conservada (embora baixa) ao nível do olho esquerdo, tendo sido decretada a
cegueira do olho direito, como uma das primeiras consequências da doença
neurológica, em Outubro de 2009.
A evolução clínica do Dinis não tem sido favorável,
especialmente a nível oftalmológico, com amaurose completa no olho direito e
doença muito alastrada no olho esquerdo, não estabilizada ainda, necessitando
de cuidados permanentes.
1.5.As primeiras consequências:
Atraso motor - O Dinis tem hoje 91,24 % de incapacidade física diagnosticada.
Passou da posição de deitado para sentado e sentou-se sozinho pela primeira vez
perto dos 18 meses, começou a gatinhar entre os 18 e os 19 meses e começou a
dar uns passitos no inicio de Agosto de 2009, tendo adquirido a marcha apenas no
final de Outubro quando tinha 20 meses e meio – Tudo isto fruto de um exaustivo
e rigoroso plano de sessões de fisioterapia que se estende até hoje.
Microangiopatia da retina - Atualmente o Dinis vive com uma pequeníssima percentagem de visão no
seu olho esquerdo e foi decretada a cegueira legal do seu olho direito do Dinis
no final de Outubro de 2009: Os médicos de genética oftalmológica apontam para
que a sua doença seja um síndrome de “COATS” ou uma Vitroretinopatia
exudativa familiar, mas estão ainda a decorrer os testes genéticos em
Coimbra (www.ccci.pt)
e em Barcelona (www.imo.es) que nos levaram a este resultado.
Sabe-se que não é uma doença hereditária, porém a sua
origem assim como da “LCC” não foi ainda completamente elucidada pela ciência.
É uma condição em que há desenvolvimento anormal dos vasos que irrigam a
retina. Os vasos ficam dilatados, e ocorre extravasamento do soro sanguíneo
para a porção posterior do olho. A retina fica então edemaciada, podendo
ocorrer o seu descolamento total ou parcial, (olho direito do Dinis tem
descolamento total e o esquerdo em risco elevado). Pode ter apresentação também
como múltiplos aneurismas dos vasos retinianos, que causam degeneração dessa
estrutura ocular. É uma doença progressiva, ou seja, desenvolve-se lentamente.
Portanto, o tratamento precoce é extremamente importante para que
seja possível salvar a visão do nosso filho. Se a doença avançar muito,
ocorre perda total da visão. Em estágio final, a enucleação (retirada do olho)
é um potencial desfecho.
O Dinis iniciou tratamentos cirúrgicos em Barcelona
(foi submetido a uma 1ª cirurgia a 30/04/2009 onde regressámos para a segunda e
terceira vez em 25/05/2009 e 07/07/2009) e após uma série de voltas que
passaram pelo Prof. Eduardo G. Fernandes (Hospital da CUF Infante Santo), pela
Dra. Luísa Santos (Instituto Oftalmológico Dr. Gama Pinto) demos continuidade
aos tratamentos do Dinis no Intecir em Coimbra com o Dr. António Travassos.
Continua a ser um centro privado, mas é em território
português e principalmente porque sobressai pelo conhecimento teórico e prático
em doenças na retina em bebés alienado aos fortes mecanismos de elevada
tecnologia, e pessoal perfeitamente direccionado para as questões que envolvem
as questões patológicas do nosso Dinis.
1.6.Em termos genéticos
Não foi ainda identificado o gene causador desta
doença. Apesar das poucas probabilidades, nós pais, decidimos que só iríamos
parar quando encontrássemos uma resposta para a mutação genética do Dinis e com
ela trazer algumas respostas muito importantes em termos de prevenção
degenerativa.
Por nossa insistência e com o apoio do Professor Luís
Nunes do Hospital Dona Estefânia (o geneticista do Dinis) o ADN do Dinis (dos
pais e mano) está a ser estudado em Helsínquia e outro em Manchester,
pelas equipas de investigação mais comprometidas a nível mundial com a
descoberta desse gene: Professor Yanick Crow de Manchester e Dra. Tarja
Linnankivi de Helsínquia.
Em Dezembro de 2009, pelas mãos do Professor
Luís Nunes, Director da Unidade de Genética do HDE, procedeu-se à recolha
de material biológico que consistiu na recolha de sangue e com ele a extracção
de ADN, com destino á criação de uma cultura molecular e foram enviados por
correio, segundo protocolo hospitalar e seguindo regras estabelecidas, nomeadamente
em termos de acondicionamento previamente acordadas entre os estudiosos e entre
a unidade de genética do HDE e em Janeiro de 2012, foi descoberta a mutação
genética que compromete a ausência de visão do Dinis. Atualmente mediante a
criação de um teste de diagnostico pré natal, já poderemos ter um segundo
filho, que deverá nascer por intermédio de gravidez assistida, sem esta
preocupação associada, no entanto, apesar desta grande noticia, a resposta
quanto à mutação genética para a doença base, continua sob investigação.
1.7.Em termos de gastrenterologia - Desconhece-se a história das
complicações desta doença, mas merece atenção, além das áreas anteriormente
referidas, o risco de sangramento intestinal e digestivo principal causador
pelo pobre crescimento do Dinis. «Outros órgãos podem estar comprometidos,
como os intestinos, esófago e fígado, devido à microangiopatia que conduz a
hemorragias ocultas».
Também apoiados pelo Professor Luís Nunes, médico de
genética do Hospital Dona Estefânia, em Setembro de 2010, conhecemos o Professor
Amil Dias do Hospital São João do Porto, que aceitou o desafio de
introduzir uma cápsula que filmasse todo o trajecto digestivo e intestinal do
Dinis com o objetivo de despiste de envolvimento intestinal pela
microangiopatia, potencial causadora de hemorragia digestiva, anemia e
osteopenia – os resultados estão dentro dos parâmetros normais sem sinais de
microangiopatia.
1.8. O Problema oftalmológico - continuará a ser seguido no Intercir (http://www.ccci.pt/) em
Coimbra pelo Dr. António Travassos, médico especialista em retina, e pelo
médico oftalmologista de genética Professor Eduardo Silva.
Paralelamente manteremos presente o "intercâmbio" e troca de
conhecimentos e técnicas com os especialistas espanhóis, nomeadamente o Dr.
Borja Corcóstegui especialista em retina, e pelo oftalmologista de
genética Dr. Rafael Navarro.
1.9. O Problema Neurológico - resta-nos
depositar a nossa esperança no estudo genético que está a decorrer em Manchester
e Helsínquia e continuar o acompanhamento na unidade de genética no Hospital
Dona Estefânia pelo Professor Luis Nunes e na unidade
de Neuropediatria pelo Dr. José Pedro Vieira.
1.10. Quanto ao atraso motor - continua a sua estimulação 3 vezes por semana com uma excelente
fisioterapeuta, a fisioterapeuta do amor: http://carolinabernardo.webnode.com//
1.11.Situação atual do Dinis
Atualmente tem 4 anos e no contexto da sua doença
neurológica crónica tem uma deficiência visual e motora necessitando de
intervenções múltiplas de diagnóstico, de terapêutica e de reabilitação.
Apresenta um défice grave nas funções sensoriais e dor e ao nível das funções
da visão. Apresenta dificuldades ligeiras na atividade e participação,
relativamente à área de Mobilidade, em mudar as posições básicas do corpo,
perturbação do equilíbrio, em manter a posição do corpo, em andar e em
deslocar-se, instabilidade a nível da coluna e bacia, sendo crucial o apoio
permanente da neuro-ortopedia para obter uma estabilização durante esta fase de
crescimento estaturo-ponderal.
Esta doença Neurológica atualmente não é explicada
pela ciência, não se conhece o carácter genético, e como tal o seu percurso
poderá ser devastador. As exuberantes calcificações e lesões cerebrais é que
irão conduzir o destino do nosso filho.
Continuaremos com as intervenções oftalmológicas, os
tratamentos de prevenção, estimulação motora e cognitiva, ensino especial
intervenção precoce, hipoterapia, exames e análises, entre eles TAC’s e RM’s
com frequência, depositando fé nos estudos que decorrem atualmente no sentido
de investigarem o gene e manter a mesma equipa multidisciplinar e médica que tanto
têm contribuído para o nosso filho ser a criança que hoje é.
2- Fala-nos sobre o vosso
livro. Isto é, como surgiu a ideia inicial?
A ideia surge no âmbito de ausência de respostas às nossas principais
dificuldades: desconhecimento da doença a nível nacional e a nível mundial, a
ausência de motores de busca, literatura, médicos e equipamentos necessários,
leis que defendam os familiares no acompanhamento à doença, uma série de
politiquices que não se adequam à vida prática de quem de desdobra em 3 para
obter cuidados sem perder os empregos e ainda assim dar uma continuidade digna
aos restantes prismas de uma vida que não para em função de um filho especial….
É que ninguém está devidamente preparado para ser pai de alguém assim tão
especial…. «ninguém sonha com um filho diferente, todos sonhamos com o
normalmente aceitável e achamos que o “normal” será a viagem a Itália…. E o que
é isto de viagem a Itália?
“Ter um bebé é como planear uma fabulosa viagem de férias – a Itália!
Compram-se montes de guias e fazem-se planos maravilhosos! Chegamos
inclusivamente a aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
Após meses de antecipação, finalmente chega o grande dia! Arrumam-se as malas e
embarcamos. Algumas horas depois, o comissário de bordo chega e diz: “Bem-vindo
à Holanda”!
– Holanda? – O que quer dizer com Holanda? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália, pois toda a minha vida eu sonhei com o facto de ir conhecer a Itália! Mas houve uma mudança de planos e o voo mudou de rota e fomos parar à Holanda….”
– Holanda? – O que quer dizer com Holanda? Eu escolhi a Itália! Eu devia ter chegado à Itália, pois toda a minha vida eu sonhei com o facto de ir conhecer a Itália! Mas houve uma mudança de planos e o voo mudou de rota e fomos parar à Holanda….”
3- Qual é a principal mensagem,
deste livro para os leitores?
A mensagem recai sobretudo numa compilação de batalhas que foram sido
vencidas por um guerreiro de palmo e meio.
“O Dom do Dinis” é uma história real de determinação e coragem, de uma luta
desleal travada com o destino que decidiu comunicar-nos aos 11 meses de vida
que o nosso filho Dinis padecia de uma síndrome genético com complicações
neurológicas muito complexo e raro, designando-se pela literatura médica como
Leucoencefalopatia, calcificações e quistos cerebrais. Uma doença incurável e
sem gene conhecido.
Este livro conta na primeira pessoa, a história de uns pais que frustrados
com o fracasso dos médicos e ausência de respostas por parte da ciência,
incluindo medicação, tiveram de aprender a lidar com um filho que possuía o
diagnóstico n.º 20 de uma doença rara, após ter vivido com ele durante 11 meses
julgando-o vulgarmente saudável. O destino tudo alterou, mas esta família
arregaçou mangas e não se conformou e iniciou uma batalha científica para
melhor entender o “inimigo” na esperança de descobrir algo que pudesse deter o
avanço da doença invisível que lentamente destruía e calcificava o cérebro de
Dinis.
Este livro tenta transmitir várias mensagens entre elas: Que nunca devemos
desistir dos seus sonhos, que por mais escassa que possa ser a probabilidade,
ela existe e a fé move montanhas…. A coragem de alguém tão pequeno e tão frágil
tem abalado as estatísticas e provado ao mundo que com dedicação e determinação
e muita dose de trabalho e amor à mistura…. Tudo se vence e alcança!
4- Quais, são os vossos projetos
para o futuro?
Continuar a nossa busca por respostas em termos de investigação cientifica
que contribuam para a criação de técnicas ou fármacos que possibilitem a
travagem da proliferação da doença, vivermos e sermos felizes!!!!
Questões
rápidas:
Um livro e um autor, que vos tenham marcado: Verónica Decide Morrer de Paulo Coelho.
Um ator ou atriz, que vos tenham marcado: Beatriz Costa e Armando Cortez.
Um filme, que vos tenham marcado: A Vida é Bela de Roberto
Benigni e A Lista de Schindler de Steven Spielberg.
Um dia especial, que vos tenham marcado: 12 de Junho de 2012, o dia do nosso casamento e 20 de Fevereiro o
nascimento do nosso filho.
Um desejo: Saúde,
amor, união, energia, trabalho e pouco mais!!!!
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